De “doença mental” para a “saúde mental”. O que isso tem a ver com a inovação?

17/set/2024

Neste novo artigo, Mauro Carrusca mostra que o grande desafio para as organizações (que não deveria ser um desafio, mas uma lógica) é entender que a inovação tem a ver com pessoas e, indo mais longe, tem a ver com o estado mental dessas pessoas.

O ambiente propício à geração de inovações não são as salas coloridas com post-its, recheada de artefatos como puffs, jogos etc. Preparar o ambiente para a inovação é preparar o estado mental de cada pessoa que compõe a organização.

Leia aqui o artigo na íntegra

Segundo George Valliant, editor da mais respeitada publicação American Journal of Psychiatry, “(…) diria que a psiquiatria passou décadas centrada na questão da doença mental. Agora o foco mudou para saúde mental”. Valliant faz uma preciosa observação para entender o vigor dessa nova avenida aberta às linhas de pesquisa da mente humana. “Do ponto de vista físico, o contrário da doença é a saúde. Mas, na parte mental, saúde é muito mais do que ausência de sintomas. É ter uma mente que equivale, na biologia, a um corpo musculoso e com capacidade aeróbica”. Ele ainda define uma pessoa mentalmente saudável como alguém em quem se podem identificar as seguintes características:

  • Está em paz com a própria identidade e sentimentos.
  • Está orientada para o futuro e é capaz de se manter produtiva.
  • Tem disposição mental que lhe permite viver bem com o stress.
  • É capaz de perceber a realidade sem distorções e ainda manter a empatia.
  • É capaz de trabalhar, de amar, de se divertir ao mesmo tempo que continua sendo uma pessoa eficiente na resolução de problemas.

O parágrafo acima foi baseado na matéria publicada na revista Veja, de 17 de setembro 2003, com o título: A conquista do equilíbrio da mente. Isso mesmo, há exatamente 21 anos (coincidentemente, hoje é dia 17/09/2024). Nesta data o Iphone nem havia sido lançado e o texto retrata várias consequências e fatos que vimos presenciando causados pelo uso direto, indireto ou mesmo excessivo da tecnologia. Problemas como o stress, burnout, aumento da ansiedade, depressão (muitas vezes provocada pelo uso das redes sociais) e, infelizmente, até suicídios, são hoje frequentes na sociedade em qualquer lugar do planeta. (Nota 1)

Mas, o que isso tem a ver com a inovação nas organizações (e na vida real)?

Minha dedicação ao estudo do impacto da tecnologia no ser humano que se iniciou durante meu curso engenharia eletrônica e a visão de futuro da evolução tecnológica com a consequente democratização do acesso à informação, me dava pistas do que viria pela frente. O grande desafio para as organizações (que não deveria ser um desafio, mas uma lógica) é entender que a inovação tem a ver com pessoas e, indo mais longe, tem a ver com o estado mental dessas pessoas. Essa é uma afirmação que venho defendendo há muitos anos. Nós, seres humanos, somos dotados de um artefato fantástico: o cérebro, que não só tem a capacidade de mudar/influenciar ambientes como ser mudado/influenciado por esses ambientes. O ambiente propício à geração de inovações não são as salas coloridas com post-its, recheada de artefatos como puffs, jogos etc. Preparar o ambiente para a inovação é preparar o estado mental de cada pessoa que compõe a organização.

Não é à toa que softskills vêm sendo consideradas como habilidades preponderantes na contratação e formação de times. Aliás, voltando ao texto da revista veja, recortei mais esse parágrafo:

“Na vida real, as pessoas continuam sendo escolhidas como parceiros, namorados, esposos, sócios ou empregados de empresas com base em seus traços de personalidade – muito mais preponderantes atualmente, em muitos casos, do que a bagagem cultural que acumularam”.

O psicólogo americano Roger Gould (1962–2002), que mantinha uma coluna na revista leiga americana Psychology Today, não tem dúvida disso: “o caráter, em sua acepção mais ampla, engloba a personalidade e não apenas a parte ética. O caráter é mais importante que o intelecto. Foi assim na história humana recente e hoje isso é uma realidade predominante”.

“o caráter, em sua acepção mais ampla, engloba a personalidade e não apenas a parte ética. O caráter é mais importante que o intelecto. Foi assim na história humana recente e hoje isso é uma realidade predominante”.

Nessa linha, Gould mostra como são escolhidos os astronautas da NASA, onde os escolhidos estão entre os melhores pilotos de caça dos Estados Unidos. Em relação ao desempenho técnico todos se equiparam e o que desempata são traços de personalidade muito semelhantes:

  • São capazes de trabalhar em estreita convivência com outras pessoas durante um tempo longo em espaços exíguos. A situação contrária, afeta pouco seu desempenho e humor.
  • Eles confiam nos outros e nunca reclamam de desconforto.
  • Emoções fortes produzem neles reações vigorosas, mas nunca paralisantes.
  • Nunca tomam a iniciativa de falar suas emoções mais íntimas, porém não se furtam de falar quando provocados.
  • Sabem avaliar o estado de espírito das pessoas que os cercam.
  • São ao mesmo tempo agressivos e cuidadosos. Aventuram-se mais, mas se acidentam menos que a média dos pilotos.

Reafirmando, esse texto é de 2003 e, quando pensamos em características de ambientes ou de pessoas inovadoras, o que mudou para 2024?

Na minha visão, a inovação colaborativa pressupõe o caminho para uma gestão mais horizontal, colaborativa, inclusiva, com mais equidade e transparência. Pessoas aptas a participarem, difundirem e cultivarem um ambiente participativo não precisam ser astronautas, mas suas características de personalidade estão muito em linha com exigido pela NASA. Eu resumo essas características em alguns traços fundamentais como: colaboração, entender o que é uma equipe de confiança, audácia (não ter medo de riscos, mas saber medi-los), empatia e compaixão.

Hoje, são cada vez mais comuns que alguns desses traços sejam determinantes para uma vida equilibrada e plena, seja na vida empresarial, seja na família, nos estudos ou na sociedade.

Como disse anteriormente, a inovação depende de pessoas, portanto não existe uma fórmula mágica que se aplica a qualquer organização para a criação de ambientes inovadores, pois as pessoas não são iguais. Mas, podemos, sim, repensar o modelo de gerir o negócio e sua governança para que possamos cultivar, em cada espaço, os traços benéficos de personalidade necessários para desenvolvimento do ambiente propicio à inovação, mas sempre respeitando a cultura organizacional que leva em conta também diferenças culturais geográficas, históricas, de raça, entre outras.

Corrobora essa minha afirmação o estudo realizado por Gould e vários psicólogos americanos, cujas conclusões mostraram que vale a pena investir nos traços de personalidade que valorizem o capital humano. Ou seja, podemos aprimorar traços de personalidade das pessoas para que elas criem o tão sonhado senso de pertencimento e passem a apoiar o processo de inovação. Como? Investindo, além da valorização das pessoas, no reconhecimento.

Esses estudos chegaram a algumas conclusões interessantes:

  • O QI atinge o ponto máximo aos 20 anos de idade e depois tende a cair
  • A experiência profissional conta muito, mas demanda tempo
  • Aumentar o comprometimento no trabalho não é trabalhar mais horas e, aliás, os incentivos gerenciais são para que se trabalhe menos e não mais.

Os estudos mostraram que 75% dos profissionais têm traços de caráter e personalidade que dificultam o exercício de todo seu potencial. Logo, o maior campo de mudança está na personalidade.

Colaboração, compartilhamento de informações, desenvolvimento de equipes de confiança dependem de pessoas com traços de personalidade, caráter e ética que contribuem para a formação de ambientes propícios à inovação. Sem isso, não há tecnologias que evitem o mau uso das informações, o compliance ao LGPD ou quebra de regras organizacionais, isso só para citar alguns exemplos.

O bom é que, repensando nossos modelos antigos de governança e gestão, esse baseado no comando-controle, podemos direcionar a organização para um futuro mais promissor e inovador.

Em tempo:

Propositalmente, em momento nenhum quis citar o uso da inteligência artificial, visto que, como discorremos, tentamos mostrar a importância de características intrínsecas aos seres humanos para criação de ambientes inovadores.

Nota 1:

Já há alguns anos me dedico a estudar para conhecer um pouco sobre o funcionamento e comportamento do nosso cérebro. Faço isso através de leituras e ouvindo experts em neurociência, filosofia, psicologia, física entre outros. Aliás, desde que o mundo é mundo, cientistas dos mais diversos segmentos de estudo vêm estudando o cérebro a fundo e, a meu ver, a cada centímetro que avançamos no seu conhecimento, parece que ele se afasta 1 ano luz! (isso é um ponto para discussão sobre a evolução da IA e seu impacto no ser humano…tema para outro artigo).  Digo isso porque, a matéria que mencionei no texto, eu a tinha lido na semana que saiu a revista (17/09/03). Como estava em linha com o que acreditava, resolvi retirar as folhas e guardá-la e, lógico, perdi. Já há algum tempo vinha querendo encontrá-la para reler. Ontem, 17/09/24, fui procurar um livro para ver um assunto específico e, para minha surpresa, o artigo estava dobrado entre as folhas do livro. Esse é o nosso cérebro, que consegue processar até 2,5 petabytes (2,5 milhões Gigabytes). Em um estudo recente, um grupo de pesquisadores desenvolveu um método para medir a força sináptica, a precisão da plasticidade e o armazenamento de informações no cérebro e descobriram que as sinapses podem armazenar dez vezes mais informações do que se acreditava anteriormente (Neural Computation – MIT: Synaptic Information Storage Capacity Measured With Information Theory). Por algum motivo, há muito tempo, havia um processamento no backstage que estava procurando a resposta e ela veio ontem!

O cérebro é fantástico.

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Mauro Carrusca é Innovation Strategist | futuristic | Advisor | Board Member |Membro do Conselho de Presidentes MG | ESG Evangelist

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