Com o apagar das luzes de 2022 vem o quase impositivo momento do balanço. O texto Versões de mim, de Luis Fernando Verissimo, é uma deliciosa inspiração para fazermos isso. São reflexões que nunca ficam desatualizadas.
Com seu costumeiro traço irônico, Verissimo nos conduz a uma oportuna viagem para entendermos o que fizemos e como atingimos os objetivos, o que não fizemos e os porquês, o custo positivo e negativo de nossas metas e seus reflexos na nossa vida, na nossa saúde, nos nossos relacionamentos.
E, de forma brilhante, conclui:
“Creio que a vida não é feita das decisões que você não toma, ou das atitudes que você não teve, mas sim, daquilo que foi
feito. Se bom ou não, penso, é melhor viver do futuro que do passado.
‘Porque tudo vale a pena, se a alma não é pequena.’”
Leia aqui o texto na íntegra. Vale muito a reflexão.
Versões de mim
Luis Fernando Verissimo
Vivemos cercados pelas nossas alternativas, pelo que podíamos ter sido.
Ah, se apenas tivéssemos acertado aquele número (unzinho e eu ganhava a sena acumulada), topado aquele emprego, completado aquele curso, chegado antes, chegado depois, dito sim, dito não, ido para Londrina, casado com a Doralice feito aquele teste… Agora mesmo, neste bar imaginário em que estou bebendo para esquecer o que não fiz – aliás, o nome do bar é Imaginário -, sentou um cara do meu lado direito e se apresentou:
– Eu sou você, se tivesse feito aquele teste no Botafogo.
E ele tem mesmo a minha idade e a minha cara. E o mesmo desconsolo.
– Por quê? Sua vida não foi melhor do que a minha?
– Durante um certo tempo, foi. Cheguei a titular. Cheguei à seleção.
Fiz um grande contrato. Levava uma grande vida. Até que um dia…
– Eu sei, eu sei… – disse alguém sentado ao lado dele.
Olhamos para o intrometido… Tinha a nossa idade e a nossa cara não parecia mais feliz do que nós. Ele continuou:
– Você hesitou entre sair e não sair do gol. Não saiu, levou o único gol do jogo, caiu em desgraça, largou o futebol e foi ser um medíocre propagandista.
– Como é que você sabe?
– Eu sou você, se tivesse saído do gol. Não só peguei a bola como me mandei para o ataque com tanta perfeição que fizemos o gol da vitória. Fui considerado o herói do jogo. No jogo seguinte, hesitei entre me atirar nos pés de um atacante e não me atirar. Como era um herói, me atirei…
Levei um chute na cabeça. Não pude ser mais nada. Nem propagandista. Ganho uma miséria do INSS e só faço isto: bebo e me queixo da vida. Se não tivesse ido nos pés do atacante…
– Ele chutaria para fora. Quem falou foi o outro sósia nosso, ao lado dele, que em seguida se apresentou:
– Eu sou você se não tivesse ido naquela bola. Não faria diferença.
Não seria gol. Minha carreira continuou. Fiquei cada vez mais famoso, e com fama de sortudo também. Fui vendido para o futebol europeu, por uma fábula.
O primeiro goleiro brasileiro a ir jogar na Europa. Embarquei com festa no Rio…
– E o que aconteceu? – perguntamos os três em uníssono.
– Lembra aquele avião da Varig que caiu na chegada em Paris?
– Você..
– Morri com 28 anos.
– Bem que tínhamos notado sua palidez.
– Pensando bem, foi melhor não fazer aquele teste no Botafogo…
– E ter levado o chute na cabeça…
– Foi melhor – continuei – ter ido fazer o concurso para o serviço público naquele dia. Ah, se eu tivesse passado…
– Você deve estar brincando! – disse alguém sentado a minha esquerda.
Tinha a minha cara, mas parecia mais velho e desanimado.
– Quem é você?
– Eu sou você, se tivesse entrado para o serviço público.
Vi que todas as banquetas do bar à esquerda dele estavam ocupadas por versões de mim no serviço público, uma mais desiludida do que a outra.. As consequências de anos de decisões erradas, alianças fracassadas, pequenas traições, promoções negadas e frustração. Olhei em volta. Eu lotava o bar. Todas as mesas estavam ocupadas por minhas alternativas e nenhuma parecia estar contente. Comentei com o barman que, no fim, quem estava com o melhor aspecto, ali, era eu mesmo. O barman fez que sim com a cabeça, tristemente.
Só então notei que ele também tinha a minha cara, só com mais rugas..
– Quem é você? – perguntei.
– Eu sou você, se tivesse casado com a Doralice.
– E…?
Ele não respondeu. Só fez um sinal, com o dedão virado para baixo…
Creio que a vida não é feita das decisões que você não toma, ou das atitudes que você não teve, mas sim, daquilo que foi feito. Se bom ou não, penso, é melhor viver do futuro que do passado.
“Porque tudo vale a pena, se a alma não é pequena”.
Desejo que em 2023 você viva cada segundo do presente e, imaginando o futuro, busque implementá-lo no presente.
Feliz 2023!
Por Mauro Carrusca